quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O FIO DE ARANHA
     
         Segundo uma antiga lenda hindú, Kandata, o facínora, tendo expirado sem mostras de arrependimento, foi pela imutável Justiça atirado à região sombria dos eternos suplícios.
         Durante muitos séculos suportou indiferente os tormentos do inferno. Um dia, porém, o seu coração empedernido foi tocado por um tênue raio de luz de arrependimento. Ajoelhou-se e implorou, em prece fervorosa, a proteção misericordiosa do Senhor da Compaixão.
         No mesmo instante, surgiu-lhe a figura radiosa de um anjo, que lhe disse:
        - O Senhor da Compaixão ouviu a prece humilde que acabas de proferir. E aqui estou para salvar-te dos castigos tenebrosos do inferno.
-Ó Kandata!, no decorrer de tuas vidas anteriores, houve dia que tiveste assistido a uma boa  ação tua, por mais pequena que fosse? Ela te ajudaria, agora, livrando-te dos tormentos que, sem tréguas, te afligirão. Mas nunca espere por ver cessados os sofrimentos atuais, conseqüências do teu passado, se conservares ainda a impureza da vaidade, da luxúria e da inveja. Dize-me ó Kandata!, se queres sair daqui, qual foi, acaso, o ato de bondade em vida que praticaste?
- Pelo Deus de Misericórdia!   exclamou Kandata, cheio de profunda humildade e tristeza ... jamais pratiquei em minha vida passada qualquer ato digno ou louvável. A minha existência foi um rosário interminável de crimes infâmes de toda espécie!
- Kandata! , continuou o anjo,  procura rememorar detalhadamente todas as ações do teu negro passado! Basta um ato verdadeiramente bom de tua parte, um só para que obtenhas o perdão de Deus! Alguma vez socorreste com esmola o desprotegido da sorte?
- Nunca! , murmurou Kandata, com voz sucumbida.
- Algum dia , prosseguiu o anjo,  tiveste uma palavra de consolo ou de bondade para os aflitos e desesperados?
- Nunca.
- Não te moveram, uma só vez, à piedade, os enfermos, nem dispensaste qualquer proteção aos fracos e infelizes?
- Nunca!,  soluçava Kandata, com o desespero dos arrependidos.
- E para os animais, nossos irmãos inferiores? , insistiu ainda o anjo, trataste com crueza, impiedosamente, todos os seres fracos do mundo?
- Deus seja louvado! , exclamou Kandata,  lembro-me de que, certa vez, ao atravessar um bosque vi uma pequenina aranha que procurava esconder-se sob a relva. "Não pisarei esta pobre aranha", pensei "porque é fraca e inofensiva". Desviei o passo afim de poupar a vida ao mísero e tímido animalzinho. Teria sido esta uma ação agradável aos olhos do Criador?
- Feliz que és, Kandata , respondeu o anjo,  esse pequeno ato de bondade que acabas de recordar é, sem dúvida, suficiente para salvar-te do inferno;  e é a própria aranha do bosque que, em breve, te proporcionará , pela vontade divina , o meio único de salvação. Da altura infinita do céu, a aranhazinha vai lançar-te um fio; por ele poderás subir até o seio do Onipotente!
          E, isto, dizendo, o ajo desapareceu.
         Quase no mesmo instante viu Kandata, com grande assombro, que um fio de aranha descia das alturas divinas até ao fundo do abismo negro que o torturava. Aquele fio, de enganadora fraqueza, representava para ele a salvação, a tão sonhada ventura! Estaria, para sempre, livre dos suplícios indizíveis do inferno!
         Sem hesitar, Kandata agarrou-se a ele e começou a subir. Sentiu desde logo que o fio - pela vontade do Onipotente - era forte e lhe sustentava perfeitamente o peso do corpo, que balançava no espaço.
         De repente, porém, em meio da escalada, lembrou-se o bandido de olhar para baixo e notou que os seus companheiros de infortúnio procuravam também, à porfia, salvar-se da região dos tormentos, subindo pelo mesmo fio.
         Com certeza não poderá tão delgado fiozinho suportar o peso dessa gente toda , pensou Kandata apavorado.
E, instigado pelo terrível egoísmo, desejando apenas a própria liberdade, sem lhe importar a desgraça alheia , gritou para os infelizes que já se  agarravam, como penca infernal, ao fio salvador:
         -Larguem, miseráveis! Larguem, que este fio é só meu!
         No mesmo instante partia-se o fio da aranha e Kandata era para sempre restituído às profundezas em que tanto sofrera tão duros castigos!
         O fio salvador forte bastante para levar ao céu milhares de criaturas arrependidas de seus crimes, rompera-se ao sofrer o peso do egoísmo que a maldade insinuara em um coração.

    do livro "Lendas do deserto", de Malba Tahan

Pensamento do dia: " Tudo o que pudermos fazer no bem, não devemos adiar. Carecemos somar esforços criando, digamos, uma energia dinâmica que se anteponha às forças do mal...ninguém tem o direito de se omitir" (Chico Xavier).

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