domingo, 27 de março de 2011


UMA LIÇÃO DE CARIDADE

Em noite de garoa fina, com temperatura próxima de zero, observei um farrapo humano que caminhava pelas ruas de S.Paulo e pus-me a pensar. Lembrei-me de minha casa confortável, da comida quente, do cobertor de lã. Procurei, em vão, entender sobre o que teria feito eu para estar numa situação tão confortável, sem as angústias daquela criatura, da qual eu nem sabia o nome.
Continuei na minha indagação: Como posso exercer a caridade junto a esse irmão, se nem consigo chamá-lo de irmão. Nem tenho coragem de aproximar-me para conversar com ele e ainda apresso-me em mudar de calçada e fechar o portão. Em função dos riscos, sigo, afinal, o que me recomendam as autoridades nas grandes cidades.
Como na minha cabeça continuava a vontade de ajudá-lo, pensei no que poderia fazer por ele. Talvez dar-lhe um dinheiro, um agasalho, uma sobra de comida. Eram muitas as possibili­dades que eu tinha para colaborar com o meu semelhante. Estava em melhor situação do que ele para a prática do amor, ao contrário dele, que nada podia me oferecer. Será?
Recordei-me da Doutrina Espírita quando diz que a cari­dade é a mais importante das virtudes e que todos podem praticá-la, inde­pendente da situação em que se encontram. Se eu acredito nisso, esse mendigo também pode me ajudar de alguma maneira. Mas de que modo?
Analisei e concluí que ele nada tem, mas não rouba. Pede ou espera que alguém lhe ofereça. Ele não vive se lamentando, embora tenha uma vida que só de pensar me causa pavor. Divide o pequeno pão, que mal dá para si próprio, com outros com­panheiros de infortúnio. Não é como eu que ainda não aprendi a repartir. Ele usa um pouco de bebida alcoólica para suprir a falta de agasalho e não pelas imposições sociais que nivelam as criaturas na mediocridade. Não é avarento pelos juros que transformam os humanos em cifrões, fazendo-os valer pelo seu exterior. Ele, talvez, tenha esposa, filhos, pais ou um parente qualquer, mas não blasfema contra o abandono e a solidão.
O seu lar é o vão da marquise da esquina, onde venta menos, en­quanto eu, que tenho um teto, reclamo do trabalho para mantê-lo. Há queixas de que há muita roupa para lavar e passar, muita louça do almoço e do jantar. Reclama-se que os alimentos são caros, o carrinho do supermercado é pesado, além de outras blasfêmias miúdas. Não falamos dos problemas verdadeiros.
Perguntei-me: Quem é o mais infeliz e qual de nós está realmente praticando a caridade? Eu, que só posso dar-lhe umas poucas coisas materiais ou ele que, sem dizer palavra, me dá uma aula magna de compreensão e resignação.
Como é bom, as vezes, descermos do salto alto, encararmos a nossa vida frente a frente e concluirmos quão felizes nós somos e, ainda, não o sabemos.
Naquela fria madrugada, pude aprender com o sábio e silencioso discurso daquele irmão em provação, uma lição viva para todos nós que sofremos aos primeiros sintomas de desajustes, porque os transformamos em insuportáveis tragédias. Envio, constantemente, minhas preces de gratidão pelo muito que aquele irmão da rua me ensinou e por aju­dar-me a valorizar minha saúde, meu lar, meu alimento, todos eles se constituindo em riqueza que eu nunca percebi que possuía.
       Agradeço àquele indigente por me mostrar a verdadeira FELICIDADE.

        Artigo  de autoria de Octávio Caumo Serrano,
     publicado  na Revista Internacional de Espiritismo, julho de 2003

Pensamento do dia: " A felicidade não depende do que nos falta, mas do bom uso que fazemos daquilo que temos" (Thomas Handy)

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